Você sabe o que é Compliance Tributário?

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Devido à influência norte-americana mundo afora, o estrangeirismo acaba sendo um processo natural de assimilação de sua cultura em outras culturas. Principalmente no mercado corporativo é muito comum nos depararmos com palavras oriundas da língua inglesa no dia a dia dos negócios. Um bom exemplo disso é termo Compliance, originado do verbo “to comply”, é usado nas empresas e no meio acadêmico como sinônimo de “cumprir, agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou pedido”.

Pensando em uma definição mais técnica para para o termo, podemos entendê-lo como “o dever de estar em conformidade e fazer cumprir as leis, diretrizes, regulamentos internos e externos, buscando mitigar riscos atrelados à reputação e o risco relacionado ao ambiente regulatório ao qual a empresa esteja atrelada.” E, quando tratamos do Compliance Tributário, referimo-nos a este mesmo dever ou busca pela conformidade, porém, direcionando atenção aos riscos atrelados às questões tributárias. Surgem assim os Programas de Integridade ou de Conformidade Tributária, sobre os quais falaremos mais adiante, antes porém precisamos fazer uma breve retrospectiva sobre o cenário brasileiro, para que não se perca de vista a relevância do tema que passamos a discutir.

O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) em recente estudo nos dá conta de que em média 87% das normas publicadas após a promulgação da Constituição Federal foram revogadas e entre os 13% das normas que permanecem em vigor, apenas 4% não haviam sofrido alterações. Some-se a isso, a complexidade do ambiente regulatório brasileiro e a baixa qualidade de algumas leis que tornam o país um mercado onde a insegurança jurídica é assunto dos mais relevantes. À exemplo disto, o mesmo estudo citou que no período analisado foram editadas 798 normas por dia útil, e considerando somente as normas tributárias, ainda assim, chega-se à quantidade de 2 novos dispositivos legais diariamente. Nos dias atuais, considerando não somente leis e decretos, mas também as soluções de consulta, soluções de divergência de consulta, portarias, resoluções, protocolos, convênios, normas técnicas, etc., em média o contribuinte precisa analisar cerca de 50 normas por dia e avaliar possíveis impactos sobre sua operação.

Em épocas de internet e e-commerce, estes dados configuram um cenário ainda mais preocupante, pois as empresas acabam tendo atuação em âmbito nacional, e quanto mais capilarizada for sua operação maior será o impacto da instabilidade do ambiente regulatório sobre suas atividades, haja vista que além das normas federais as corporações precisam lidar com aquelas emitidas pelas 27 Unidades da Federação e pelos 5.570 municípios brasileiros, onde, em muitos casos, não há serviço de atendimento para esclarecimento de dúvidas ao contribuinte e, sequer a preocupação de tornar a legislação local acessível.

Esse cenário torna-se ainda mais desafiador quando consideramos que o Brasil possui mais de 90 tributos, cerca de 150 obrigações acessórias (incluindo obrigações não tributárias) e, segundo levantamento do Banco Mundial no estudo Doing Business as empresas brasileiras despendem 10 vezes mais tempo de trabalho para cumprir suas obrigações fiscais do que os demais países do mundo, aqui gastam-se em média 2.600 horas para apurar e reportar os tributos que crescem assombrosamente e tornam-se cada vez mais complexos.

Retomando nosso tema principal, muitas são as atividades necessárias para efetivação do Compliance Tributário nas entidades, a principal delas seria o pagamento regular de tributos, mas entre tantas outras podemos citar também:

  • Armazenamento de arquivos digitais
  • Controle de XML
  • Auditoria de documentos fiscais recebidos e emitidos
  • Guarda de documentação suporte das operações realizadas
  • Cruzamento das diversas declarações fiscais
  • Monitoramento das Certidões Negativas de Débitos
  • Administração de contenciosos
  • Implantação de controles internos para garantia do cumprimento de requisitos legais para fruição de determinados benefícios e autorização para realização de créditos fiscais

A essa altura provavelmente o leitor já tenha conseguido adentrar à complexidade da seara tributária e entender um pouco mais o desafio de se implantar Compliance tributário nas empresas, mas provavelmente se espantará quando digo que isto é apenas o começo. Agregue-se ao contexto até aqui descrito o fator cultural que influencia drasticamente os modelos de gestão adotados pelo empresariado brasileiro. Estudo realizado pela Consultoria Delloite detectou que a maioria das empresas não conta com o suporte de uma consultoria jurídica, em muitos casos contam com profissionais polivalentes e sem formação adequada para fazer frente a este emaranhado de normas e tributos, certamente um grande fator de riscos.

Não se pode nem mesmo dizer que as empresas administram riscos demais, haja vista que administração supõe primeiramente conhecimento do que se administra, para o gerenciamento efetivo é necessário controle do negócio e decisões alinhadas ao planejamento estratégico da corporação, e no cenário descrito anteriormente, apesar de estarem expostas a diversos riscos, a maioria destes não são sequer conhecidos por boa parte do empresariado, e alguns possíveis motivos são apontados para esta situação:

  • Desalinhamento da equipe que acaba sendo mais operacional do que analítica
  • Ausência de consultoria jurídica especializada
  • Complexidade e instabilidade do nosso ambiente regulatório
  • Combinação dos motivos anteriores

Esse cenário faz das empresas verdadeiros limbos de ineficiência. Ainda há quem trate as informações tributárias como se prescindíveis fossem, subestimando as questões fiscais e subdimensionando investimentos para viabilizar o acompanhamento de legislação, treinamento e adequação da infraestrutura tecnológica necessária para garantir conformidade em suas atividades. A consequência de tudo isso é o comprometimento da lucratividade, do fluxo de caixa e em, última instância, da sustentabilidade do negócio. Muitas são as obrigações dos contribuintes e a não conformidade pode causar danos irreparáveis à reputação ou mesmo paralisar as operações da empresa.

Mas afinal, existe uma saída para tudo isso?

Certamente alterar sistema tributário brasileiro não é tarefa das mais simples e, a julgar pelo que vemos no retrovisor, é possível que façam apenas mudanças pontuais para manutenção do stauts quo. Então, o que esperar do futuro? Como melhorar os índices de lucratividade das empresas?

Na incapacidade de mudar o ambiente de negócios, as empresas precisam encarar desafios internos e investir na melhoria de sua gestão tributária. É imprescindível a adoção de práticas de governança tributária, de uma gestão baseada em riscos e compliance. Parafraseando Sêneca, um dos mais importantes intelectuais do Império Romano, nenhum vento é favorável a quem não sabe qual para porto está velejando. Pergunto-me se os empresários sabem para qual porto estão velejando. Pelos dados que se vê a cada pesquisa publicada, embora algumas empresas estejam cônscias desta situação, ainda há muito o que mudar. Reclamar do ambiente regulatório, da carga tributária não mudará o sentido do vento, precisamos virar a vela, é preciso inteligência fiscal.

É neste ponto que o Compliance pode fazer uma grande diferença e tornar-se um diferencial competitivo. Com a adoção de políticas e diretrizes de conformidade adequados é possível mitigar alguns riscos aos quais as empresas estão sujeitas:

  • Risco de Reputação
  • Riscos estratégicos: Estruturação dos negócios
  • Riscos técnicos e operacionais: Implementação de atividades
  • Administrativos: Burocracia e obrigações acessórias
  • Econômicos: Viabilidade do negócio
  • Financeiros: Fluxo de caixa
  • Jurídicos: Contenciosos Administrativos e Fiscais
  • Regulatórios: Setores regulados

Para implementação de um programa de conformidade algumas etapas precisam ser cumpridas, vejamos abaixo:

  1. Equipe adequadamente qualificada
  2. Disseminação da cultura e engajamento dos colaboradores
  3. Formação das equipes de trabalho, atribuição de atividades e responsabilidades
  4. Monitoramento e medição dos resultados e riscos
  5. Reposta (ou mecanismo de mitigação)

Os riscos Identificados precisam ser medidos e avaliados de acordo com impacto que poderá causar ao negócio e a detecção de riscos exige uma resposta, ou seja, adoção de mecanismos de mitigação. As não-conformidades precisam ser analisadas e ações corretivas devem prontamente adotadas.

Este ciclo virtuoso traz segurança operacional aos colaboradores, o que por sua vez diminuirá os gastos e o tempo despendido com reprocessamento e correção de informações, bem como erros na apuração e pagamento indevido de impostos, além de aprofundamento técnico que possibilitará o correto aproveitamento de benefícios fiscais e das alternativas disponíveis na legislação até então desconhecidas. Assim, tanto pelo caminho da segurança operacional, como da economia fiscal, os resultados tendem a ser positivamente impactados.

Atualmente as empresas possuem precedentes legais para adoção de Programas de Conformidade, Integridade ou Compliance, como temos nos referido até aqui. Um bom exemplo é a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) que traz uma definição bastante esclarecedora para tais programas: “Conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.”

Antes da Lei Anticorrupção a pena máxima que o governo poderia aplicar às empresas que realizavam operações fraudulentas como o setor público era ‘declaração de inidoneidade’ o que impede a participação em novas licitações e contratos com o poder público e as impede também de emitir notas fiscais regulares para seus clientes. As novas sanções incluem multa de até 20% do faturamento anual e impedimento de receber benefícios fiscais, além de publicação da decisão condenatória em meios de comunicação de grande circulação, a expensas do condenado. Conforme dados disponíveis no Portal Transparência até 03.03.18 haviam sido aplicadas 28 punições com base neste novo dispositivo legal, sendo 71,5% delas direcionadas para micro e pequenas empresas. Por outro lado, a lei trouxe incentivos para consolidação de mecanismos de integridade (compliance) nas relações entre setor privado e governo.

A exemplo da Lei Anticorrupção, porém de forma bem mais direcionada às questões tributárias a Lei Complementar 1320 de 09.04.18 do Governo do Estado de São Paulo, de forma inédita, e numa posição de vanguarda, implementou o Programa de Incentivo à Conformidade Fiscal: Nos Conformes. Um programa de Compliance do ICMS que promete simplificar as obrigações acessórias, incentivar a autorregularização, flexibilidade de atuação do fisco, oferta de orientação e atendimento diferenciado, priorizando os contribuintes que serão classificados de acordo com nível de conformidade às exigências legais. Esta classificação será realizada de ofício pela Secretaria de Fazenda, nas categorias “A+”, “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “NC” (não classificado).

Contrário sensu, para as empresas que forem classificadas como não conformes, ou grau insuficiente de conformidade, o fisco promete uma atuação bem mais dura e pontual, já que o programa intenciona o direcionamento de esforços da fiscalização para as empresas que não apresentam comprometimento com o adequado cumprimento das normas fiscais e/ou transacionam com empresas avaliadas destas forma. Segundo informações da própria Sefaz-SP os principais critérios para classificação dos contribuintes no nível de baixa conformidade será a existência de débitos de ICMS relativo a 6 períodos de apuração nos 12 meses anteriores, débitos de ICMS inscritos em dívida ativa que totalizarem 40.000 UFESPs e correspondam 30% do seu patrimônio líquido ou 25% do valor total de suas operações nos últimos 12 meses.

Note que em ambos os regulamentos existe uma política de punição e recompensa aos contribuintes, o que é imprescindível para promover engajamento e demonstrar comprometimento da empresa com os procedimentos de compliance adotados. Mesmo caminho é adotado pelo Programa Pró Conformidade, da Receita Federal do Brasil, cuja consulta pública se encerrou em Out./2018 e estava previsto para ser adotado a partir de Jan./2019, mas até o momento ainda não foi oficialmente implantado, apesar das recentes movimentações da RFB neste sentido.

Diante de todo exposto, urge a necessidade de despertar para esta nova realidade que subjaz às práticas comerciais e modelos de gestão adotados pelas empresas. Não há mais espaços para ineficiências ou adoção de práticas escusas para assegurar economia fiscal. A busca pela conformidade e mitigação de riscos parece ser o caminho mais adequado a ser seguido. Estamos diante de um novo paradigma: O Paradigma da Conformidade.

Jeanderson Rocha

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